Radaeli, o anjo da camisa 93

Passo Fundo Futsal

Memorial virtual

Esta terça-feira, 14 de julho de 2020, marca 366 dias do fatídico domingo em que vitimou o jovem e promissor Pablo Yago Radaeli, então atleta profissional do Passo Fundo Futsal, num acidente de trânsito, em Itaqui, no retorno de uma partida contra a Associação Esportiva Uruguaianense (AEU), pela Liga Gaúcha.

O conteúdo apresentado neste memorial virtual é uma forma de homenagear e eternizar a vida de Pablo. Neste material, serão relembradas histórias, divulgados bastidores, lançadas fotos e vídeos inéditos e apresentados depoimentos de pessoas importantes na passagem do jovem que tanto fez a comunidade de Passo Fundo sorrir e ser feliz no ginásio Capingui em 2019.

A homenagem e agradecimento pelos serviços prestados é da família Passo Fundo Futsal, desde torcedores, conselheiros, funcionários, comissão técnica, jogadores e direção para a família Radaeli, sobretudo a Márcia, Marco, Pâmela e Luciana Schäfer.

Assim como a maioria dos jogadores profissionais, Pablo já corria atrás da bola aos 10 meses, logo quando começou a caminhar. A cada vez que conseguia chegar perto da bola, um chute vinha acompanhado de um tombo sentado.

O que anos depois viraria rotina era só o início de uma trajetória. “Pablo nasceu jogador. Ele foi crescendo e já tinha definido na sua cabeça que seria jogador. Não tinha Plano B. Era ser jogador ou ser jogador”, destaca a mãe, Márcia Radaeli.

O Plano B até surgiu numa situação do acaso. Márcia ia levar a irmã de Radaeli, Pâmela, para uma seletiva de modelos em Novo Hamburgo. Sem ter com quem ficar, Pablo foi junto com a mãe e a irmã. No fim, a agência gostou de Pablo e Pâmela.

O estilo e a personalidade, marcas fortes de Radaeli quando adulto, tiveram seus primeiros passos ainda no período de “modelo”. Radaeli participou de alguns trabalhos quando criança, atuava como “casting” da Ford Models.

Entre os trabalhos realizados, um book fotográfico para um material institucional da Unimed, além de ter desfilado no Donna Fashion, em Porto Alegre.

Apesar da aventura no ramo da moda, era com a bola no pé que Radaeli, de fato, se entendia.

Com 5 anos, Radaeli iniciou nas escolinhas de base do União Jovem do Rincao (UJR) Futsal, de Novo Hamburgo. A família de Radaeli era quem fazia a gestão do ginásio onde o UJR tinha sua sede. Assim, Pablo vivia por lá.

“Quando não tinha aula, ficava treinando com os outros, se metia no jogo do pai. Vivia dentro da quadra brincando, jogando e correndo atrás da bola”, conta Márcia.

Aos sete anos, um empresário assistiu a uma partida de Pablo. O cartola disse que, num período de três a quatro anos, levaria Radaeli para fazer testes em clubes.

Passados quatro anos, o mesmo empresário retornou e levou Pablo para fazer um teste no Grêmio, time do coração do jovem.

Com 30 dias de duração, o mês de Radaeli se dividiu entre ir para aula pela manhã e embarcar numa van, no sentido a Porto Alegre, para treinar no Grêmio. Ele saía cedo de casa para retornar apenas às 22h.  

Chegou o dia que Pablo não quis mais. “Mãe, é meu sonho... mas não é a hora. Estou cansado. Saio de manhã e chego só de noite. É muito cedo para eu ter esse compromisso”, disse Radaeli para Márcia, na época.

A mãe de Radaeli lembra que, neste período, ficar longe da família e dos amigos pesou para quem ainda era uma criança.

Márcia conta, ainda, que esse também foi um dos motivos que mostraram que Pablo queria, mesmo, era o futsal. “Eu concordei com tudo que o Pablo me disse. Falei com o Marco [pai de Radaeli]. Sentimos que ele queria e sempre quis o futsal”, recorda.

O pai de Radaeli, Marco, lembra que o futsal era o “sonho” do menino. Incentivador, o pai estava sempre acompanhado de Radaeli no ginásio em que cuidava. “Ele gostava demais de chutar a bola. Era a vida e o sonho dele”, declara.

O tempo foi passando, e Radaeli passou da infância para a adolescência. Desde os cinco anos com a bola no pé, ele atuava nos campeonatos estaduais de base pelo UJR, de Novo Hamburgo.

Aos 17 anos, Radaeli integrava a equipe sub-20 do UJR. Numa das coincidências do mundo da bola pesada, Radaeli disputava uma partida transmitida pelo Sportv.

Em Carlos Barbosa, a equipe do Minas Tênis Clube jogaria diante da ACBF, pela Taça Brasil. O treinador das categorias de base do Minas assistia a partida do UJR pela televisão. Radaeli entrou no jogo e marcou um dos gols. O suficiente para chamar atenção do treinador.

“Ele foi convidado a ir para o Minas depois daquilo. Não titubeou”, recorda Marco.

No Minas, Radaeli atuou nas categorias de base e fez sua estreia no profissional. Por lá, disputou a Liga Nacional. O jogador ficou três anos em Minas Gerais antes de retornar ao Rio Grande do Sul.

Em 2017, Radaeli atuou na ASIF, de Ibirubá. No ano seguinte, foi para a Associação Esportiva Uruguaianense (AEU).


Antes de chegar no Passo Fundo Futsal, também jogou pelo Dracena (SP).

Em dezembro de 2018, quando o técnico Juninho foi apresentado ao Passo Fundo Futsal, ele já possuía com uma lista de atletas que desejava contar para a próxima temporada, após o clube conquistar o acesso para a elite do futsal gaúcho.

No estacionamento de uma loja, logo nos primeiros dias em Passo Fundo, Juninho conversava com Tiago Bortolon – então supervisor na época – sobre atletas. Logo depois, o papo se estendeu com o diretor de futsal, Matheo Casagrande.

“Eu falei que tinha um atleta jovem, promissor, que havia trabalhado comigo e que estava disponível no mercado”, lembra Juninho.

Matheo Casagrande relata que o clube passava pela transição da Série Prata para a primeira divisão do futsal gaúcho. Por isso, a contribuição de Juninho era fundamental naquele momento. “Nosso conhecimento era um pouco limitado de jogadores. O Juninho nos apresentou, a mim e ao Tiago. Assistimos vídeos do Radaeli e gostamos muito. O Juninho foi muito incisivo na contratação dele”, recorda o diretor.

Radaeli ainda não sabia, mas ali já começava a sua história no clube.

Naquele fim de ano, longe de Passo Fundo, o jogador passava as férias com a família na praia de Albatroz, próximo de Imbé, no litoral gaúcho. Eis que um dia, de frente pro mar, toca o telefone. Era Juninho.

Após alguns minutos no celular, Radaeli, ao lado da mãe, anunciou o convite. Na beira da praia, foi convidado para jogar no Passo Fundo Futsal. “O Juninho falou da oportunidade do Pablo jogar em Passo Fundo, onde o Juninho seria técnico. Pablo ficou muito feliz, era uma situação que ele não imaginava, em função da temporada anterior ter sido muito difícil e também por estar longe da família e da namorada, já que agora seria uma distância bem menor”, conta Márcia.

Mesmo entusiasmado, Radaeli ainda precisava do aval do pai, Marco Radaeli, que costumeiramente tomava decisões junto da família. O pai estava em Novo Hamburgo em função do trabalho e ainda não estava liberado para veranear na praia. Após uma ligação, a palavra final estava com Pablo. Era só aceitar.

“Ali começou uma ansiedade, normal dele, por iniciar os trabalhos”, recorda Márcia. A partir daquele fim de semana, a preparação física já estava programada na agenda de Radaeli até retornar para o início de temporada.

Um início que impressionou

Em pouco tempo, Radaeli começou a se destacar em Passo Fundo

Radaeli chegava junto com outros 17 jogadores na missão de representar uma cidade com mais de 200 mil habitantes na elite do futsal gaúcho.

Bateria de testes físicos, pré-temporada, amistosos. Pouco a pouco, o grupo foi conhecendo o carismático jogador.

Logo nos primeiros jogos, na Copa Regional, Radaeli não conseguiu marcar gols. Apesar disso, contribuiu com assistências até a chegada nas semifinais da competição.


Na quinta partida de Radaeli com a camisa do PFF, veio o primeiro gol. E também o segundo e o terceiro. Na goleada por 4 a 0 sobre a OMF, em 2 de abril, o jogador mostrou seu poder de decisão para a torcida que enchia o Capingui.

O primeiro gol com a camisa do PFF veio em tom especial. Na comemoração, um “L”, dedicado à namorada, Luciana Schäfer. “Isso era significativo demais pra mim. Era o jeito dele me homenagear e talvez até de me agradecer. Esse gesto que ele fazia na comemoração de um gol, normalmente sempre vindo na minha direção... com aquela felicidade, aquela vibração, fazia tudo ter sentido, fazia tudo valer a pena”, declara a namorada.

Na Copa dos Pampas, Radaeli deu outra prova do que poderia vir na temporada. Com oito gols na competição, o ala foi um dos destaques da equipe.

Nos grandes momentos, um gol em um clássico vencido por 7 a 2 sobre a AMF, de Marau, e a partida memorável contra o Guarany de Espumoso – que veio a ser o campeão posteriormente -, no ginásio Capingui. Vitória por 4 a 2, com dois gols de Radaeli e outros dois de Fabiano.

Juninho lembra que Radaeli era um jogador muito inteligente e comprometido com a vitória. “Ele tinha muita qualidade técnica, de finalização. Era inteligente taticamente, trabalhador, comprometido em vencer sempre. Tinha boa liderança pela pouca idade e muita personalidade, competitivo em todos os sentidos”, relata o treinador. 

Na linguagem dos boleiros, Radaeli era “universal”. Ou seja, aquele jogador que conseguia fazer todas as funções dentro da quadra com habilidade e destreza, como explica o diretor Matheo Casagrande. “Ele teve um início fantástico. Estava sendo o grande jogador da temporada, goleador do time, com gols decisivos. Mas não só isso, reunia habilidade, velocidade, movimentação. Era muito versátil”, define.

Tamanha desenvoltura em quadra e o bom desempenho nos jogos do Passo Fundo Futsal resultaram na premiação de melhor ala direito da competição promovida pela Liga Gaúcha.

A coroação do trabalho também veio com a convocação para a Seleção Gaúcha, que jogaria o Campeonato Brasileiro de Seleções de Liga. Ao lado de Farinha, Radaeli representou o Passo Fundo Futsal na Seleção após o corte de Dilvo, que precisou abrir mão da vaga por uma lesão.

Na Seleção Gaúcha, uma amizade embalada desde o PFF

Radaeli e Farinha possuíam parceria dentro e fora de quadra

Radaeli chegou na Seleção Gaúcha acompanhado do fixo Farinha, também do Passo Fundo Futsal.

Desde o início de 2019 atuando juntos, a dupla já possuía um entrosamento dentro e fora de quadra. Os dois dividiram a Casa do Atleta, do Passo Fundo Futsal, e ali fortaleceram a amizade. “Nós nos conhecemos no Passo Fundo Futsal. Fui morar na casa e ali a parceria ficou forte. Aquela convivência, conversas, coisas em comum, muita resenha com ele”, conta Farinha.

“Essa parceria que tínhamos fora, nós levamos para dentro e sempre fluiu bem. Às vezes, a gente brigava... era cada ‘treta’, mas no fim a gente se entendia e dava risada”, diz.

Apesar de novo, Radaeli chamava atenção de Farinha dentro de quadra. Segundo o jogador, o camisa 93 aprendia muito rápido novas táticas e jogadas. “Ele era muito inteligente. Meu jogo encaixou com o dele”, relata o fixo do PFF.

A parceria entre Farinha e Radaeli cresceu ainda mais em Seara, em Santa Catarina, na disputa do campeonato pela Seleção Gaúcha. Farinha conta que Radaeli queria ir bem para provar que merecia ter sido convocado. “Logo que ele foi anunciado, ele disse que ia focar, que queria ir bem”, recorda.

A passagem de Radaeli pela Seleção Gaúcha, assim como no Passo Fundo Futsal, foi decisiva. A equipe fez uma grande campanha na competição e chegou até a final.

A cada jogo que passava, a confiança aumentava. “Quando chegamos lá e os jogos foram acontecendo, vimos a importância que tínhamos naquela campanha. Isso nos motivou a ajudar nossos companheiros. O Radaeli falava pra mim: ‘Black’, vou correr demais por todos”, relembra Farinha. Black era o apelido que Radaeli carinhosamente chamava o companheiro de equipe e Seleção.

No fim, a Seleção Gaúcha conquistou o vice-campeonato da competição. Radaeli marcou 4 gols em seis jogos no Campeonato Brasileiro de Seleções de Liga. No jogo contra a Seleção Paulista, Radaeli foi eleito o melhor da partida.

“Comecei a entender mesmo o que é o futsal”

Amadurecido, Radaeli vivia a melhor fase da carreira 

A boa fase de Radaeli fez com que o ala aparecesse mais na mídia. No dia 2 de julho, o jogador participou de uma entrevista no programa Esporte na Mesa, da Diário AM, apresentado pelo jornalista Kleiton Vasconcellos.

O assessor de comunicação do clube, Matheus Moraes, conta que foi difícil convencer Radaeli para ir aos microfones. “Ele estava receoso, não dava muitas entrevistas, mas topou participar. Em estúdio, ao vivo, foi a única entrevista dele. Ele vivia um grande momento e era requisitado pela imprensa. Participou e teve uma bela desenvoltura. Depois, ainda brincou e me cobrou um lanche por ter me ‘quebrado o galho’”, relembra.

No programa, Radaeli comentou o bom momento vivido com a camisa do Passo Fundo Futsal e a experiência na Liga Gaúcha. Ele declarou que estava feliz em Passo Fundo. “Quem está comigo no dia a dia sabe o quanto estou feliz. Tenho deixado isso muito claro. Tudo que venho fazendo com essa camisa, nessa cidade maravilhosa. Estou feliz por estar num grupo bom”, disse o ala na entrevista.

Sobre o bom momento, Radaeli deu mérito a todo elenco do PFF. “O mérito não é só meu, mas de todos que estão lá. Todo mundo tem um peso e uma participação nesse início de temporada que viemos fazendo bem. Esse ano está sendo muito diferente pra mim. Acho que mudei, amadureci, comecei a entender mesmo o que é o futsal”, declarou.

A namorada de Radaeli, Luciana Schäfer, lembra que ele comentava sobre esse momento de felicidade. “Era o momento mais feliz da carreira dele”, afirma.

O casal se conheceu em 2017, ainda nos tempos de ASIF. Luciana foi assistir a partida no aniversário do pai. Depois de se conhecerem, ela passou a acompanhá-lo nos jogos, desde Ibirubá até Passo Fundo.

Ela conta que o bom momento se devia, também, ao ano de 2018 complicado, longe da família. “Foi um pouco complicado o ano anterior dele, pela distância da família, dos amigos... mas também foi um ano em que ele amadureceu muito, que aprendeu com as dificuldades. Ele me dizia que estava se esforçando nos treinos e que tudo estava refletindo no desempenho dele nos jogos. Através do esforço dele, estava sendo muito reconhecido e tendo bastante visibilidade”, recorda Luciana.

De volta ao lugar onde era mais feliz

No retorno a Passo Fundo, Radaeli tinha a missão mais importante da temporada, a Liga Gaúcha. A estreia foi em casa, diante da Abelc. Uma goleada por 4 a 0, com um gol do camisa 93. Ele estava de volta ao lugar onde era mais feliz.

“O melhor momento dele foi aqui. Com aquela Copa dos Pampas, Seleção Gaúcha e começando bem a Liga Gaúcha mostrava que ele daria voos mais altos”, afirma o técnico Juninho.

As rodadas foram passando e Radaeli despontando, assim como a equipe do Passo Fundo Futsal no retorno à elite do futsal gaúcho. No segundo jogo no Capingui, mais um gol na vitória por 4 a 1 sobre a ASIF.

NOITE DE GALA NA DESPEDIDA DO CAPINGUI

O último jogo de Radaeli no ginásio Capingui, em 28 de junho de 2019, diante da ALAF, parecia ser, de fato, a despedida do garoto que brilhou no primeiro semestre daquele ano em Passo Fundo.

Naquela partida, um fato tornou a noite ainda mais especial. Márcia e Marco foram assistir o filho atuar no ginásio.

Para aquele jogo, o torcedor Leandro de Borba, integrante da Torcida Força Jovem, resolveu homenagear o atleta que estava em destaque no time. “Eu não conhecia o Radaeli pessoalmente. Ele estava jogando demais, ‘quebrando a bola’, como a gente diz. Resolvi fazer uma homenagem para ele. Inclusive, chamei ele no WhatsApp um dia antes e pedi se podia”, conta.

Na mensagem, Radaeli respondeu Borba dizendo que, se fizesse dois gols, comemoraria o segundo com a torcida, já que o primeiro seria em homenagem a mãe, Márcia, que estaria nas arquibancadas.

E Radaeli fez dois gols na goleada por 7 a 0. O primeiro, comemorou com a mãe. O segundo, foi ao encontro da Força Jovem para cumprir a promessa com Borba.

Na comemoração junto aos torcedores, Borba lembra que Márcia fez gestos para ele, porque segurava a placa que homenagearia Radaeli ao fim da partida. “Ela viu a placa e fazia sinal pra mim, que no fim do jogo era pra descer e falar com ela”, diz.

No fim da partida, Radaeli recebeu o torcedor, que lhe entregou uma placa com a foto do atleta comemorando um dos tentos com a camisa do PFF e fazendo a tradicional “pose de quebrada”.

Borba também conseguiu falar com Márcia. “Disse que estava homenageando o filho dela, que estava jogando muito. Ele estava no auge”, lembra.

O último golaço, para jamais ser esquecido

A semana seguinte, no entanto, foi marcante. Na noite fria de 6 de julho, o Passo Fundo Futsal encarou a Sase, fora de casa, para manter a liderança.

O gerente de Marketing e Comunicação do PFF, Guilherme Canal, viajou junto com o clube para Selbach. Ao entrar no ônibus, ele foi chamado por Radaeli. “Ele me mostrou a camisa que trouxe da Seleção Gaúcha dois meses antes. Mesmo nos encontrando com frequência, ainda não tinha me entregue o presente”, afirma.

O presente era um agradecimento pela edição dos vídeos dos gols marcados pela Seleção Gaúcha.

A partida de gala do PFF coroou o primeiro lugar com uma goleada. 5 a 1. Entre os gols daquela partida, um golaço de Radaeli, de fora da área, em chute potente com a perna direita, no ângulo. Indefensável. Foi a última vez que a bola saiu do seus pés e foi ao encontro do barbante.

Os poucos graus no ginásio Módulo Esportivo não eram sentidos por Radaeli, que se atirou nos braços da torcida, em êxtase com o grande gol daquela noite. O último abraço junto ao torcedor que tanto lhe queria bem.

Guilherme Canal conta que quase esqueceu de fotografar a comemoração com tanta felicidade pelo golaço. “Quase esqueci de fazer a tradicional foto do L com os dedos depois de abraçar os colegas de time. Tive o privilégio de assistir um dos gols mais bonitos da carreira do Radaeli e fotografar a última comemoração”, destaca.

Após o jogo, no retorno para Passo Fundo, as tradicionais mensagens no celular eram recebidas e enviadas para a mãe, Márcia. “Nos finais dos jogos, eu não dormia sem receber a ligação dele. Era o momento para parabenizar pelo resultado, como nesse belo jogo em Selbach. Se não ligava, mandava mensagem avisando ‘mãe, cheguei bem, pode descansar’”, conta.

Antes do adeus, um sentimento de paz interior

Da euforia, guiada pela boa fase, o momento de maior tristeza do Passo Fundo Futsal, eternizado pelo anjo Radaeli.

Na semana posterior, antes do confronto contra a Uruguaianense, a equipe se preparava para um dos duelos mais difíceis do campeonato até então.

O assessor de comunicação do PFF, Matheus Moraes, lembra da última conversa com Radaeli, em um treinamento na quinta-feira que antecedia o jogo. “Cheguei no treino e ele veio me cumprimentar com uma piada, naquele jeito alegre dele. Da mesma forma, brinquei e pedi para ele acertar outro golaço no próximo jogo, só que na outra gaveta. Ele respondeu, rindo, que iria tentar ‘errar da bola’ de novo”, afirma.

Horas mais tarde aconteceu o último encontro do gerente de marketing do clube, Guilherme Canal, com Radaeli. Na Barbearia do Comércio, na Rua Moron, Radaeli estava na porta. O ala havia ido dar um “tapa” no visual junto com Dilvo e Farinha antes de viajar.

Canal chegou em cima da hora, mas precisou esperar. A espera resultou no encontro dos companheiros de clube, que fizeram uma selfie. “Mal sabia que era a última conversa com o Rada, já que não embarquei para Uruguaiana”, relembra.

Aquela viagem foi diferente das comuns pela distância. Como o clube iria na sexta-feira - para dormir em Itaqui e ainda treinar em Uruguaiana antes do jogo – e a viagem demandaria três dias, não foi possível que a comunicação do clube pudesse estar presente na partida.

O sábado chegou. Ao chegar no ginásio, em Uruguaiana, Radaeli pôde perceber que seria uma noite diferente.

Logo ao descer do ônibus, o jogador foi recepcionado por dezenas de torcedores da Uruguaianense, que cantaram música em seu nome e vieram o cumprimentar. Radaeli havia atuado na Uruguaianense em 2018, mas deixou o time de forma conturbada.

A receptividade fora das quatro linhas marcou Radaeli.

Depois de um desempenho diferente das atuações que estava acostumado, o Passo Fundo Futsal perdeu em Uruguaiana e deixou a invencibilidade na competição na fronteira.

Após o jogo, já de volta ao ônibus, Radaeli trocou mensagens com a mãe. O fato de antes da partida ainda o marcava e o deixava com sentimento “leve”. “Todo mundo falou comigo hoje. Até a torcida. Todos. Me idolatraram”, mandou para Márcia.

Segundo a mãe, Radaeli estava em êxtase e feliz por ter feito as “pazes” com os torcedores. “Falamos no telefone, ainda, naquele dia. Ele me contou que estava muito feliz, que a torcida da AEU tinha entrado no ônibus para cantar para ele. Ele estava feliz que havia resgatado a única torcida com que teve atrito quando saiu”, relembra Márcia.

Horas depois, por volta das 2h da madrugada de domingo, no quilômetro 430 da BR 472, em Itaqui, o ônibus do Passo Fundo Futsal saiu da pista e caiu em um barranco. Radaeli morreu na hora. A partir daquele momento, o anjo da camisa 93 se tornou mais uma estrela para guiar o clube lá do céu.

Na madrugada de segunda-feira, Radaeli foi velado no centro do ginásio Capingui e, horas mais tarde, sepultado em Novo Hamburgo, sua cidade natal.

Personalidade e humor irreverente que cativavam

De sorriso fácil, Radaeli conquistou inúmeros fãs

Brincos, tatuagens, roupas estilosas, meias coloridas, caixa de som empunhada no braço. Radaeli possuía traços que vêm a mente de todos os companheiros de time. Seja na concentração, no pré-jogo, na resenha.

É unânime que a personalidade e o humor irreverente eram as grandes marcas dele. Marcas que cativavam a quem ele se aproximava.

A mãe de Radaeli costumava dizer – e hoje tem mais certeza do que nunca: Radaeli tinha um espírito livre. “Ele sempre foi um líder nato. Ele era um líder para o bem. A alegria era sua marca registrada”, pontua.

Márcia lembra que Radaeli sempre acordava de bom humor. “Ele conquistava a todos com seu jeito moleque e amoroso de ser. Acordava de bom humor, mexia com as pessoas, fazendo rir com todos que passavam pelo seu caminho”, destaca. “Ele era vaidoso, adorava se vestir bem. Brincávamos com ele que era quase um metrossexual”, diz.

O técnico Juninho cita que em um dos treinamentos Radaeli chegou para treinar com uma malha longa que imitava uma pele de cobra. Segundo o técnico, o ala havia ido assim para “causar”.

Juninho ficou quieto. Esperou Radaeli sair, reuniu o grupo de jogadores e falou em tom de voz alto, quando o jogador se aproximou. “Tu aí, ô modelo. Tu acha que é modelo e está na passarela do São Paulo Fashion Week... aproveita e desfila até o vestiário e tira essa fantasia para treinar”.

Radaeli saiu rindo e trocou. Ele tinha uma relação de confiança e proximidade com o técnico. “Eu tinha uma liberdade de aconselhar ele fora de quadra. Ele confiava muito em mim. Existia respeito e admiração de um pelo outro”, conta Juninho.

Após a morte de Radaeli, a “calça de cobra” ficou com Félix, filho de Juninho, fã de Radaeli. Um presente da mãe Márcia Radaeli.

O JEITO RADAELI DE SER

Para o diretor de futsal do PFF, Matheo Casagrande, Radaeli era sinônimo de identificação para o torcedor. “Existia uma identificação de linguagem, de gestual do Radaeli com a torcida. Essa coisa das crianças, dos jovens, que têm essa linguagem, que vai muito de postura, mais de imagem do que palavras. Ele conseguia se comunicar com o seu estilo, seus gestos”, pontua.

A prova maior da sintonia entre Radaeli e os torcedores surgiam nas redes sociais, com fotos de “pose de quebrada” e camisas 93. “Isso fez o Radaeli ser muito copiado. Essa linguagem gestual fez a diferença. Muitas crianças faziam foto igual o Radaeli, usavam o estilo de roupa dele. E isso criou um conceito de um cara alegre, irreverente, extrovertido, brincalhão, com quem as pessoas copiavam bastante e se identificavam com o estilo Radaeli de ser”, define Matheo.

O gerente de futsal do PFF, Alexandre Menegat, era outro que costumava brincar com Radaeli, sobretudo em razão do “estilo” de roupas.

De acordo com Menegat, o alvo das brincadeiras era sempre as meias coloridas que Radaeli usava. “Eu mexia com ele, sempre naquela alegria. Dizia que ele andava atravessado, que se vestia no escuro”, brincava.

Antes de ir para a Seleção Gaúcha, Menegat disse que Radaeli precisaria se “vestir melhor”. De bate-pronto, o jogador respondeu que tinha arrumado uma nova roupa decente. “Na volta eu te dou”, disse Radaeli.

A roupa se tratava do casaco da Seleção Gaúcha. Um presente que Radaeli deu de agradecimento pelo bom momento vivido graças ao suporte que o clube lhe oferecia.

O legado para uma torcida

Alegria, identificação, humor irreverente, gols e comemorações. Essas são algumas das características e formas que Radaeli é lembrado pelo torcedor do Passo Fundo Futsal.

Gustavo Martins, que acompanha o PFF desde os tempos de APEO, lembra que “Rada” era o que todo torcedor sonhava. “Ver ele com a nossa camiseta era o que todo torcedor passo-fundense amava. Ele desfilava em quadra, jogava com alegria, buscando o gol sempre e a vitória, sem desrespeitar o adversário”, comenta.

Um gesto, no entanto, foi marcante para Gustavo. O torcedor, que costumava escrever mensagens motivacionais para os jogadores, conta que Radaeli fazia questão de respondê-lo em todas as oportunidades. “Teve um jogo que eu falei que ele iria fazer dois gols, e ele fez mesmo”, lembra.

“Era um garoto alegre, amigo de todos, fazia questão de comemorar com a torcida os gols. Não tem como esquecer da pose de quebrada”, conta.

Tamanha admiração por Radaeli fez com que Gustavo eternizasse o camisa 93 na pele. “Fiz uma tatuagem como uma pequena homenagem ao que ele fez pelo clube em tão pouco tempo. Nada mais justo que ter em mim a lembrança de alguém que inspira a ser como ele era, amigo de todos, humilde e alegre. Ele é um exemplo de pessoa. Tive pouco tempo de contato, mas que foi o bastante para se tornar meu ídolo”, define o torcedor.

A Torcida Força Jovem criou uma música em homenagem a Radaeli. A canção, adaptada de outras torcidas em nível nacional, recorda o jogador, para jamais ser esquecido.

No ginásio Capingui, ela é tradicionalmente cantada aos 9 minutos e 30 segundos de cada tempo, uma lembrança do número 93, favorito de Radaeli, que ostentava na camisa do clube.

Existe um legado, apesar da partida de alguém querido. Matheo Casagrande elenca que várias lições foram deixadas com a perda de Radaeli, principalmente para as famílias.

“Muitas pessoas vieram me falar que gostariam que seus filhos entendessem o contexto do que aconteceu. Que tem um clube muito grande na cidade que perdeu um jogador, um dos principais jogadores. São vários legados em relação a capacidade de educar os filhos em família, mostrando, primeiro, que a vida é efêmera para todos. A gente sabe o dia e a hora que chegamos ao mundo, mas nunca sabemos a hora da partida. Esse caminho entre a chegada e a partida precisa ser vivido assim, com alegria, irreverência, descontração, apesar de você ter seus compromissos, atribuições, dificuldades e necessidades”, pontua o diretor do PFF.

A perda de Radaeli foi algo que não só as crianças, não só Passo Fundo sentiu, mas o futsal. Todos.

“Talvez, para algumas crianças, tenha sido a primeira experiência em perda de alguém que se gostava. Elas tinham o Radaeli dentro das suas vidas, como se fosse próximo. Mesmo as melhores pessoas, os ídolos, atletas vencedores, eles são mortais, e podem sair do nada da nossa vida. O Radaeli tem um lugar guardado no coração delas, mas elas vão entender esse processo na formação da personalidade delas. Tem muito legado nisso. Todos sentiram muito”, reflete Matheo.

Do tamanho de Radaeli

Retomada do clube teve homenagens ao jogador em noite de emoção

A noite de 20 de agosto de 2019 foi de retomada para o Passo Fundo Futsal. Depois de pouco mais de um mês do trágico acidente, o clube voltava a quadra pela primeira vez, em amistoso contra o campeão nacional, Pato Futsal.

Não menos importante que o retorno foram as homenagens para Pablo e sua família. “O jogo da volta, pra mim, foi emblemático. Além do Radaeli deixar todo o contexto de irreverência aliado ao esporte, ele mostrou que você pode ser competitivo, mas não precisa ser carrancudo, você pode ser atleta de destaque e brincalhão ao mesmo tempo, pode ser focado e também divertido”, diz Matheo.

Durante a noite, Márcia, Marco, Pâmela e Luciana receberam diversas homenagens do Passo Fundo Futsal, Torcida Força Jovem, Pato Futsal e da Liga Gaúcha.

“É uma história triste, mas que a gente tem que olhar para dentro da tristeza e ver o lado positivo, desta imagem bacana que o Radaeli nos deixou. Cuidar dele, da família dele, foi mostrar com clareza todos os sentimentos que nos assolaram, de tristeza, de perda. Viver tudo isso junto, de forma familiar, é o conceito que trazemos para o Passo Fundo Futsal. Um ambiente de amizade, de família. Esse é o grande legado que Radaeli deixou, e isso não vai se perder”, frisa Matheo.

A jornada no Passo Fundo Futsal

Radaeli foi o artilheiro da temporada no clube com 15 gols

Radaeli disputou um amistoso, 22 jogos oficiais em três competições pelo Passo Fundo Futsal em 2019 e marcou 15 gols, sendo o artilheiro da temporada.

Confira os jogos e os gols:

COPA REGIONAL

16.03, Passo Fundo Futsal 6-2 OMF

20.03, Lagoa Futsal 2-3 Passo Fundo Futsal

23.03, Passo Fundo Futsal 5-3 AMF

30.03, Sercca 1-1 Passo Fundo

02.04, Passo Fundo Futsal 4-0 OMF – 3 gols

13.04, Passo Fundo Futsal 2-2 Lagoa Futsal (2-3 pên)

COPA DOS PAMPAS

06.04, Uruguaianense 1-1 Passo Fundo Futsal

10.04, Passo Fundo Futsal 5-1 Abelc – 2 gols

17.04, Passo Fundo Futsal 1-0 Sase - 1 gol

20.04, AMF 5-1 Passo Fundo Futsal

24.04, Passo Fundo Futsal 1-4 Uruguaianense

27.04, Abelc 5-5 Passo Fundo Futsal – 1 gol

01.05, Sase 0-1 Passo Fundo Futsal

08.05, Passo Fundo Futsal 7-2 AMF – 1 gol

11.05, Passo Fundo Futsal 4-2 Guarany de Espumoso – 2 gols

15.05, Guarany de Espumoso 2-1 Passo Fundo Futsal – 1 gol (6-5 pên)

LIGA GAÚCHA

07.06, Passo Fundo Futsal 4-0 Abelc – 1 gol

15.06, América de Tapera 2-2 Passo Fundo Futsal

22.06, Passo Fundo Futsal 4-1 Asif – 1 gol

29.06, Passo Fundo Futsal 7-0 Alaf – 1 gol

06.07, Sase 1-5 Passo Fundo Futsal – 1 gol

13.07, Uruguaianense 4-0 Passo Fundo Futsal

PRODUÇÃO

Departamento de Marketing e Comunicação do Passo Fundo Futsal
Matheus Moraes - Assessor de Imprensa
Guilherme Canal - Gerente de Marketing e Comunicação


IMAGENS

Matheus Moraes
Guilherme Canal
Alahna Oliveira
Minas Tênis Clube
PFF TV
Família Radaeli
Vinicius Coimbra
Anderson Michelon

Radaeli, o anjo da camisa 93
  1. Memorial virtual
  2. O começo
  3. Na beira da praia, o convite para jogar no Passo Fundo
  4. Um início que impressionou
  5. Na Seleção Gaúcha, uma amizade embalada desde o PFF
  6. “Comecei a entender mesmo o que é o futsal”
  7. De volta ao lugar onde era mais feliz
  8. O último golaço, para jamais ser esquecido
  9. Antes do adeus, um sentimento de paz interior
  10. Personalidade e humor irreverente que cativavam
  11. O legado para uma torcida
  12. Do tamanho de Radaeli
  13. A jornada no Passo Fundo Futsal
  14. Considerações finais